terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O homossexualismo, a sublimação de excelência e a criação



“Quando eu faço um filme, eu me coloco num estado de fascinação diante de um objeto, uma coisa, um rosto, uma paisagem, como se fosse algo onde o sagrado esteja em eminência de explosão.”

                                                                  Pasoline



         Consideramos legítimo tentar separar sublimação de excelência de criação.

         Inicialmente, temos como balisa o conceito de falo. Sabemos da crença infantil da universalidade do falo e da dificuldade de reconhecer sua ausência na mãe.

         Na sublimação de excelência,o falo se articula à riqueza imaginativa do artista, onde o fetiche, feitiço, é o artifício privilegiado enquanto imagem condensadora das coordenada simbólicas do sujeito. Um erro de transcrição do sistema Wb para o Ub, o Inconsciente, implica em futuros jugamentos errôneos mas, também numa retórica que porta a estrutura da verdade como “não-toda” a ser dita. Aqui, o Nome-do-Pai se articula à uma metonímia e não à substituição e calma advindas com a metáfora paterna.

         A criação parece nos apontar uma outra direção. Ela visa contornar, no sentido de cercar ou de criar uma borda em torno de um vazio, como o faz o oleiro ao criar um pote. Tal processo, como nos indica Lacan no Seminário VII, é o de fabricação de um significante.

         A criação permite ao sujeito manter-se próximo deste vazio, o real do Isso, de seguir sua lógica. Esta perspectiva transgride o habitual do gozo fálico para instalar a surpresa, seus efeitos de humor , de gozo[1].

         Um criador é um inventor de significantes, esses instrumentos que são composições de letras pictóricas, alfabéticas, sonoras. Ele possui uma certa abertura para o feminino, para além da norma macho, norm(e)mâle, do normal. Ele visa um mais-além, onde ele não se posiciona, mas reconhece. Denominemos esse mais além de nada. Ele funciona como ponto limite, um gozo na contra-corrente do fálico.

         Neste ponto de vista, a obra tem o valor de uma produção analítica, de construção própria ao fim de análise e do momento do passe.

         Desta forma, o período que consideramos como o mais rico na criação de Leonardo foi aquele em que o significante da morte do pai e do encontro com uma bela mulher o fazem superar o repúdio ao feminino (horror feminae). O deslumbramento, esta espécie de irradiação divina emanada da atmosfera de alguns quadros da maturidade, como São João Batista, passam a exalar um misticismo reconhecedor do nada, resultante de uma borda, moldura do feminino.

         De sequestrado pela inveja fálica de uma mãe de rapina, Leonardo recupera as cores de seu desejo revelando ter refratado um gozo perverso. A máscara do falo cai. Catarina é reeditada na série pictórica dos adolescentes com belos sorrisos de alegria e mistério.

         A eficácia tardia da metáfora paterna resultou em efeitos positivos na criação de Leonardo, a partir de então livre da escravatura do aperfeiçoamento contínuo da sublimação de excelência. Consideramos, aqui, sublimação de excelência e criação como pertinentes a registros distintos.

         Já no que concerne a Caravaggio, percebemos un avanço estético que, na obra de maturidade, ganha contornos rigorosos que visam a dar conta de sua verdade estrutural.

         Sua história revelou os elementos de uma produção de transgressão: O papel da Dama rebaixada, o desafio, a criação a partir de uma lei própria, a mistura entre pulsões de vida e pulsões de morte pela erotisação da destruição pura.

         Seu percurso é aquele de um santo cada vez mais miserável numa filosofia próxima concepção de santidade da Contra-reforma. A derisão, o humor, as cores, a pluralidade de representação, abandonam seus últimos quadros. Ele simplifica a pintura, tornando-a mais transmissível.

         A invasão da luz noturna cria, por contrastes, a carne dos personagens

        



[1] O belo documentário-ficção de Germana Cruxên, Antônio e Helène, discorre sobre a origem comum do trovador francês medieval e do cantador cearense. Os achados significantes da improvisação estão presentes nas trovas e na cantorias. Entretanto, o cantador mantém o desafio e a improvisação, enquanto que a trova francesa tornou-se letra morta, sofrendo apenas um estudo erudito.

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